HUMILDADE
Nunca gostei dessa palavra: humildade. Ela
nunca me suou bem. E em tempos de hoje: piorou! Tornou-se vulgar. Virou charme
ou de gente desonesta, ou de hipócritas que não tem nada a dizer. O jogador de
futebol: “eu sou humilde!”; o político: “Gente, eu sou humilde como vocês!”. Os
líderes religiosos e sua afetação histriônica: “sejamos humildes!”; enquanto
vai condenando quem não for de sua fé. Ou seja, no meu ver: não há palavra mais
falsa que humildade.
E Miguel construiu sua casa em cima da laje
de seus sogros. Quando casou, ou seja, quando se amigou; pois sua namorada
engravidara. Pretendia que fossem morar com seus pais; ele e sua esposa. Estava
tudo certo ate que um dia sua esposa flagrou sua sogra mexendo em sua bolsa.
Foi algo que lhe cortou o coração. Disse ao seu marido: “Ela suspeitando de
mim! Que foi que eu fiz! Assim não da ou você da um jeito ou tudo acabado!”
“Calma meu amor!” dizia ele a mulher para
contornar a situação.
“Calma uma porra! Ou Você da um jeito, ou a gente
vai morar separado.”
E não havendo outro remédio foi morar com os
sogros. Ele é militar. Nasceu no inicio dos anos noventa. Final do século XX;
cresceu num período de economia estabilizada, e liberdade de expressão. Herdou
do pai seu Manuel: o gosto de ouvir musica em alto volume. Costuma dar farras
que vão ate às quatro da manhã; deixando a vizinhança toda acordada. E quem reclamar:
é porque não gosta dele. E sente inveja dele: “Sou um homem humilde! Trabalho a
semana toda; e nos fim de semana, tenho o direito de botar pra fôder! Quem não
gostar que vá pra puta que pariu!”. E ele acha que o Brasil só resolve com uma
ditadura.
Seu Waldir: seu sogro é um homem omisso e
subserviente. Quando jovem pensava em
ser artista. Um cantor quem sabe. Ate hoje conserva os cabelos completos;
símbolo de seu sonho não realizado. Hoje se contenta apenas a animar bingos.
Alguns que ele mesmo elabora em sua rua. Casou-se na marra com dona conceição;
um verdadeiro pesadelo em vida real. Do tipo que se acha acima do bem e do mal,
pois freqüenta sempre a igreja, mais que todos na vizinhança. E sempre que se vê “desacatada” digamos
assim: sai dona conceição com o seguinte contra-ataque: “Pois, lá onde eu
morava, todos me chamavam de doutora! Enquanto aqui vocês querem me passar para
trás!”. Naturalmente: ela não entendia a ironia do pessoal de lá de onde ela
morava.
E assim se forma o que seria uma família
tradicional periférica do século XXI. Nossos personagens aqui citados são
somente para ilustra uma maneira de pensar e de agir muito comum nos dias
atuais. Ninguém entender o outro, mas, quer que outro lhe baixe a cabeça, se
não, não é humilde.
Dona Silvia. Minha vizinha. Por exemplo: mora
em baixo de mim. Todo o dia ouve o sermão do padre pelo radio. Mas, quando
cruza comigo na rua: vira-me a cara. E quando eu retribuo “a gentileza”, ela
diz: “É um orgulhoso! Não sabe ser humilde!”.
José Correia Paz
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